Introdução:
O
liberalismo é um sistema complexo, individualista e que não se ajusta a nenhum
outro sistema ou dogma, afirmando uma racionalidade humana em detrimento da
soberania divina. Os liberais defendem a absoluta liberdade de expressão, uma
ampla democracia política e uma expressiva tolerância religiosa para que haja
um pleno desenvolvimento de suas ideias. O liberalismo teológico, também
chamado de modernismo e em outras vezes de neoprotestantismo, foi uma ramificação
da teologia alemã que surgiu depois do iluminismo, pelo qual foi produzido,
opondo-se a ortodoxia cristã, enfatizando que a Bíblia contém a Palavra de Deus
e dessa forma seus teólogos, em sua maioria, rejeitam a revelação das
Escrituras e o sobrenatural que há nela. “Na teologia, o liberalismo é um
sistema unificado” (SCHAEFFER, 2010, p. 113).
Não se pode
falar de liberalismo, sem antes ater as atenções no iluminismo, pois este
marcou uma época de transição entre a era antiga e a moderna – período este em
que a Reforma Protestante foi contemporânea durante o século 16 e contribuiu
como um movimento de saída dos tempos medievais – e durante os séculos
seguintes essa explosão na história intelectual do Ocidente já fazia do
iluminismo o centro das atenções, e uma antropologia otimista, colocando o ser
humano numa posição mais elevada e no centro da história, e não mais Deus. “A
era do Iluminismo desafiou os pontos de vista tradicionais e reformulou o
pensamento em todas as áreas da sociedade ocidental. Porém, nenhuma dimensão
foi mais afetada do que a crença religiosa” (GRENZ, OLSON, 2003, p. 21).
Essa
impureza doutrinária trazida pelo liberalismo não é novidade para a
modernidade, pois a igreja em todas as suas fases enfrentou o problema de erros
doutrinários, contudo, atualmente, isso nunca foi tão forte e impactante.
Schaeffer (2010) aponta para uma transição na teologia liberal que sai da sua
fase antiga para o novo liberalismo ou teologia existencial, onde na Alemanha,
o país do berço do liberalismo teológico muitos teólogos influenciaram outros
ao longo dos tempos e cada vez mais conflitava em pontos periféricos das verdades
centrais da fé cristã.
Como um
sistema teológico, o liberalismo não se originou por acaso, nem muito menos era
seu propósito encerrar o cristianismo histórico, mesmo que seja visto como uma
ameaça deliberada a ortodoxia cristã, a teologia liberal foi, na realidade, uma
tentativa de resgatar coisas importantes do cristianismo que haviam se perdido
pela ação do iluminismo (SAWYER, 2009). Sendo assim, há futuro para a igreja em
nosso tempo? Conforme Schaeffer (2010) os teólogos liberais falam e agem como
se os crentes tornam-se cristãos ao ingressarem no relacionamento horizontal da
comunidade evangélica; e este é o problema do homem moderno, ou seja, a
incapacidade de encontrar valor suficiente no próprio homem – “coroa da criação
de Deus” (Salmos).
Os antigos liberais estão cansados
[...] Eles estão cansados da suspeita da ortodoxia de tendências emocionais na
sociedade. Mas eles também estão cansados do antigo liberalismo crítico, tão
preocupados com soluções “científicas” para o sobrenatural da Bíblia. Assim
como o marxismo político, o liberalismo na igreja deu poucas respostas às
necessidades espirituais e não produziu um evangelho capaz de ir ao encontro
das expectativas globais de um planeta unificado. O liberalismo precisa de um
novo contrato de vida (JONES, 2002, p. 51).
Raízes Principais do Liberalismo Teológico:
Existem
interesses sociais dos teólogos liberais (o evangelho social), pois dão ênfase
às mudanças sociais ocorridas nas pessoas visando o bem estar destes indivíduos
numa preocupação extremada com a criatura e colocando em outro plano os atos
diretivos de Deus. Os liberais destacam-se pela erudição e suas pesquisas,
contrariando os conservadores que se apoiavam somente às Escrituras – segundo
os liberais um tipo de argumentação que envolve falhas e podem ser manipulados
pela interpretação do leitor.
Vale
salientar que os liberais sustentam que as crenças judaicas e cristãs são tidas
como obsoletas diante da profundidade das ciências, pois, onde esta contradizia
a Bíblia, havia uma preferência às ciências e também a historicidade e a
revelação foram constantemente atacadas, destarte a razão prevalecer através
dos estudos críticos e não somente na fé no livro que se estava em pauta, ou
seja, a própria Bíblia.
Segundo a
enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia (volume 3) de Champlin (2013)
existem seis características da Teologia Liberal:
I – Foi posta em dúvida – a natureza única – do cristianismo;
II – Foi promovida a dessupernaturalização do cristianismo;
III – Foram evocadas filosofias correntes para explicar a
natureza do cristianismo, com a apresentação de argumentos antimetafísicos;
IV – Veio à tona a distinção entre o Jesus teológico e o
Jesus histórico;
V – A historicidade do cristianismo foi atacada, e seus
ensinos sem igual foram salientados com a sua verdadeira contribuição;
VI – Mudaram as atitudes concernentes ao pecado e à salvação.
Estes
movimentos teológicos liberais são comumente identificados, nos seus
primórdios, especificamente no protestantismo, no catolicismo romano e também
no judaísmo, adquirindo formas e estágios diferenciados, com ênfase na busca da
libertação das amarras intelectuais e o direito do questionamento das
autoridades e consequentemente a investigação de suas credenciais. Contudo,
muitas de suas ideologias foram atacadas nos séculos XVIII e XIX, mas foi no
século XX que um contra ataque dos conservadores protestantes, embora, hoje, a
teologia liberal esteja presente na maioria das grandes denominações e sirva de
importante estímulo para as discursões teológicas. Em tese os teólogos liberais
sustentam a ideia de que toda a teologia exige julgamento humano e a obediência
cristã nunca pode ser uma submissão cega às afirmações, ficando sujeitas às
indagações críticas e as fontes e suas normas teológicas são puramente humanas
(KEELEY, 2000).
A teologia
liberal tenta argumentar a visão cristã tradicional sob as bases intelectuais e
às hipóteses científicas, o que os têm levado a falhas em sua criticidade a
estas novas hipóteses e muito apressados em abandonar opiniões da tradição
cristã, mas, em contrapartida, “[...] a teologia liberal tem servido para
estimular a pesquisa intelectual e manter o pensamento teológico em contato com
a cultura contemporânea” (KEELEY, 2000, p. 323).
Principais teólogos liberais:
Ø Immanuel Kant (1724-1804) – filósofo
alemão foi o divisor de águas entre a Filosofia Moderna e a Contemporânea,
exercendo grande influência sobre o Liberalismo Teológico. Na concepção kantiana,
Deus, alma e liberdade são coisas que os seres humanos não têm acesso pela
razão, diferente da fenomenologia, que é como as coisas se mostram. Houve um
descrédito da religião sobrenatural. Ele mesmo, afastando-se do agnosticismo
teológico, aproxima-se de um deísmo, onde o homem só possui necessidade de Deus
em seu mundo ético, distante do homem, impedindo a ação do Deus Soberano
(COSTA, 2004).
Ø Hegel (1770-1831) – professava a fé
luterana e é um pensador extremamente sistemático, onde, para ele, o único
método adequado era o dialético, ou seja, a tese, a antítese e a síntese.
Segundo ele todo o conhecimento humano nada mais é do que o Espírito Absoluto
(COSTA, 2004).
Ø Friedrich Schleiermacher (1768-1834)
– foi considerado o pai da teologia liberal e o criador incontestável de um
novo modo de ver Deus e a teologia na era moderna promovendo uma revolução na
teologia ao privilegiar o sujeito (a experiência cristã) como fonte primária do
conhecimento de Deus (MCDERMOTT, 2013).
Ø Rudolf Bultman (1884-1976) – um dos
maiores liberais da era recente que combinou ceticismo radical com um
existencialismo pouco diluído. Foi um dos pioneiros da crítica da forma,
interpretando o Novo Testamento sob um aspecto de desmitologização de sua
mensagem (BROWN, 2007).
Ø Albrecht Benjamin Ritschl (1822-1889)
– teólogo alemão estabeleceu a segunda corrente mais importante no liberalismo
clássico e via a religião em termos de moralidade e de esforço pessoal no estabelecimento
do Reino de Deus (SAWYER, 2009).
Ø Adolf Von Harnack (1851-1930) – historiador
eclesiástico luterano alemão representou o ápice da teologia liberal, sendo o
maior historiador do cristianismo de sua geração, estabelecendo um padrão de
erudição para o século seguinte em seu trabalho. Ele via a pureza original do
evangelho corrompida até mesmo nos períodos Neo-Testamentários e aumentando nos
séculos seguintes (SAWYER, 2009).
Conclusão:
Basicamente a teologia liberal propõe
uma conciliação entre a fé cristã e o racionalismo humanista, ou seja, a
essência do liberalismo cristão é o desejo de contextualizar os fundamentos
religiosos da tradição judaico-cristã, onde, devido às sucessivas mudanças
culturais, a igreja tem procurado adaptar sua estrutura organizacional,
rejeitando a autoridade religiosa, sendo assim, os liberais entendem que
nenhuma questão teológica está fechada ou definida. Eles negam a inerrância e a
inspiração da Bíblia. Apesar de abrirem aos homens a oportunidade de pensarem e
usarem a razão para mitigar a grande exclusão social, principalmente após a
Idade Média, esta forma de reinterpretar as Escrituras e suas doutrinas mais
prejudicou e distanciou o homem de Deus do que trouxe benefícios. Destarte a
grande quantidade de denominações que professam uma fé salvadora em Cristo
Jesus e que possuem divergências amplas em seus sistemas teológicos.
Referências:
BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. Trad. Gordon
Chown. São Paulo: Vida Nova, 2007.
COSTA, Hermisten Maia Pereira. Raízes da Teologia
Contemporânea. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e
Filosofia. Vol. 3. São Paulo: Hagnos, 2013.
GRENZ, Stanley J.; OLSON, Roger E. A Teologia do Século
20: Deus e o mundo numa era de transição. Trad. Suzana Klassen. São Paulo:
Cultura Cristã, 2003.
JONES, Peter. A Ameaça Pagã: velhas heresias para uma nova
era. Trad. Marcelo Tolentino. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.
KEELEY, Robin. Fundamentos da Teologia Cristã. Trad.
Yolanda Krievin. São Paulo: Editora Vida, 2000.
MCDERMOTT, Gerald R. Grandes Teólogos: uma síntese do
pensamento teológico em 21 séculos de igreja. São Paulo: Vida Nova, 2013.
SAWYER, M. James. Uma Introdução à Teologia: das questões
preliminares, da vocação e do labor teológico. Trad. Estevan F. Kirschner.
São Paulo: Editora Vida, 2009.
SCHAEFFER, Francis A. A Igreja no Século 21. Trad.
Elizabeth Stowell Charles Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.