sábado, 20 de setembro de 2014

LIBERALISMO TEOLÓGICO

Introdução:
            O liberalismo é um sistema complexo, individualista e que não se ajusta a nenhum outro sistema ou dogma, afirmando uma racionalidade humana em detrimento da soberania divina. Os liberais defendem a absoluta liberdade de expressão, uma ampla democracia política e uma expressiva tolerância religiosa para que haja um pleno desenvolvimento de suas ideias. O liberalismo teológico, também chamado de modernismo e em outras vezes de neoprotestantismo, foi uma ramificação da teologia alemã que surgiu depois do iluminismo, pelo qual foi produzido, opondo-se a ortodoxia cristã, enfatizando que a Bíblia contém a Palavra de Deus e dessa forma seus teólogos, em sua maioria, rejeitam a revelação das Escrituras e o sobrenatural que há nela. “Na teologia, o liberalismo é um sistema unificado” (SCHAEFFER, 2010, p. 113).
            Não se pode falar de liberalismo, sem antes ater as atenções no iluminismo, pois este marcou uma época de transição entre a era antiga e a moderna – período este em que a Reforma Protestante foi contemporânea durante o século 16 e contribuiu como um movimento de saída dos tempos medievais – e durante os séculos seguintes essa explosão na história intelectual do Ocidente já fazia do iluminismo o centro das atenções, e uma antropologia otimista, colocando o ser humano numa posição mais elevada e no centro da história, e não mais Deus. “A era do Iluminismo desafiou os pontos de vista tradicionais e reformulou o pensamento em todas as áreas da sociedade ocidental. Porém, nenhuma dimensão foi mais afetada do que a crença religiosa” (GRENZ, OLSON, 2003, p. 21).
            Essa impureza doutrinária trazida pelo liberalismo não é novidade para a modernidade, pois a igreja em todas as suas fases enfrentou o problema de erros doutrinários, contudo, atualmente, isso nunca foi tão forte e impactante. Schaeffer (2010) aponta para uma transição na teologia liberal que sai da sua fase antiga para o novo liberalismo ou teologia existencial, onde na Alemanha, o país do berço do liberalismo teológico muitos teólogos influenciaram outros ao longo dos tempos e cada vez mais conflitava em pontos periféricos das verdades centrais da fé cristã.
            Como um sistema teológico, o liberalismo não se originou por acaso, nem muito menos era seu propósito encerrar o cristianismo histórico, mesmo que seja visto como uma ameaça deliberada a ortodoxia cristã, a teologia liberal foi, na realidade, uma tentativa de resgatar coisas importantes do cristianismo que haviam se perdido pela ação do iluminismo (SAWYER, 2009). Sendo assim, há futuro para a igreja em nosso tempo? Conforme Schaeffer (2010) os teólogos liberais falam e agem como se os crentes tornam-se cristãos ao ingressarem no relacionamento horizontal da comunidade evangélica; e este é o problema do homem moderno, ou seja, a incapacidade de encontrar valor suficiente no próprio homem – “coroa da criação de Deus” (Salmos).
Os antigos liberais estão cansados [...] Eles estão cansados da suspeita da ortodoxia de tendências emocionais na sociedade. Mas eles também estão cansados do antigo liberalismo crítico, tão preocupados com soluções “científicas” para o sobrenatural da Bíblia. Assim como o marxismo político, o liberalismo na igreja deu poucas respostas às necessidades espirituais e não produziu um evangelho capaz de ir ao encontro das expectativas globais de um planeta unificado. O liberalismo precisa de um novo contrato de vida (JONES, 2002, p. 51).

Raízes Principais do Liberalismo Teológico:
            Existem interesses sociais dos teólogos liberais (o evangelho social), pois dão ênfase às mudanças sociais ocorridas nas pessoas visando o bem estar destes indivíduos numa preocupação extremada com a criatura e colocando em outro plano os atos diretivos de Deus. Os liberais destacam-se pela erudição e suas pesquisas, contrariando os conservadores que se apoiavam somente às Escrituras – segundo os liberais um tipo de argumentação que envolve falhas e podem ser manipulados pela interpretação do leitor.
            Vale salientar que os liberais sustentam que as crenças judaicas e cristãs são tidas como obsoletas diante da profundidade das ciências, pois, onde esta contradizia a Bíblia, havia uma preferência às ciências e também a historicidade e a revelação foram constantemente atacadas, destarte a razão prevalecer através dos estudos críticos e não somente na fé no livro que se estava em pauta, ou seja, a própria Bíblia.
            Segundo a enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia (volume 3) de Champlin (2013) existem seis características da Teologia Liberal:
I – Foi posta em dúvida – a natureza única – do cristianismo;
II – Foi promovida a dessupernaturalização do cristianismo;
III – Foram evocadas filosofias correntes para explicar a natureza do cristianismo, com a apresentação de argumentos antimetafísicos;
IV – Veio à tona a distinção entre o Jesus teológico e o Jesus histórico;
V – A historicidade do cristianismo foi atacada, e seus ensinos sem igual foram salientados com a sua verdadeira contribuição;
VI – Mudaram as atitudes concernentes ao pecado e à salvação.
            Estes movimentos teológicos liberais são comumente identificados, nos seus primórdios, especificamente no protestantismo, no catolicismo romano e também no judaísmo, adquirindo formas e estágios diferenciados, com ênfase na busca da libertação das amarras intelectuais e o direito do questionamento das autoridades e consequentemente a investigação de suas credenciais. Contudo, muitas de suas ideologias foram atacadas nos séculos XVIII e XIX, mas foi no século XX que um contra ataque dos conservadores protestantes, embora, hoje, a teologia liberal esteja presente na maioria das grandes denominações e sirva de importante estímulo para as discursões teológicas. Em tese os teólogos liberais sustentam a ideia de que toda a teologia exige julgamento humano e a obediência cristã nunca pode ser uma submissão cega às afirmações, ficando sujeitas às indagações críticas e as fontes e suas normas teológicas são puramente humanas (KEELEY, 2000).
            A teologia liberal tenta argumentar a visão cristã tradicional sob as bases intelectuais e às hipóteses científicas, o que os têm levado a falhas em sua criticidade a estas novas hipóteses e muito apressados em abandonar opiniões da tradição cristã, mas, em contrapartida, “[...] a teologia liberal tem servido para estimular a pesquisa intelectual e manter o pensamento teológico em contato com a cultura contemporânea” (KEELEY, 2000, p. 323).

Principais teólogos liberais:
Ø  Immanuel Kant (1724-1804) – filósofo alemão foi o divisor de águas entre a Filosofia Moderna e a Contemporânea, exercendo grande influência sobre o Liberalismo Teológico. Na concepção kantiana, Deus, alma e liberdade são coisas que os seres humanos não têm acesso pela razão, diferente da fenomenologia, que é como as coisas se mostram. Houve um descrédito da religião sobrenatural. Ele mesmo, afastando-se do agnosticismo teológico, aproxima-se de um deísmo, onde o homem só possui necessidade de Deus em seu mundo ético, distante do homem, impedindo a ação do Deus Soberano (COSTA, 2004).
Ø  Hegel (1770-1831) – professava a fé luterana e é um pensador extremamente sistemático, onde, para ele, o único método adequado era o dialético, ou seja, a tese, a antítese e a síntese. Segundo ele todo o conhecimento humano nada mais é do que o Espírito Absoluto (COSTA, 2004).
Ø  Friedrich Schleiermacher (1768-1834) – foi considerado o pai da teologia liberal e o criador incontestável de um novo modo de ver Deus e a teologia na era moderna promovendo uma revolução na teologia ao privilegiar o sujeito (a experiência cristã) como fonte primária do conhecimento de Deus (MCDERMOTT, 2013).
Ø  Rudolf Bultman (1884-1976) – um dos maiores liberais da era recente que combinou ceticismo radical com um existencialismo pouco diluído. Foi um dos pioneiros da crítica da forma, interpretando o Novo Testamento sob um aspecto de desmitologização de sua mensagem (BROWN, 2007).
Ø  Albrecht Benjamin Ritschl (1822-1889) – teólogo alemão estabeleceu a segunda corrente mais importante no liberalismo clássico e via a religião em termos de moralidade e de esforço pessoal no estabelecimento do Reino de Deus (SAWYER, 2009).
Ø  Adolf Von Harnack (1851-1930) – historiador eclesiástico luterano alemão representou o ápice da teologia liberal, sendo o maior historiador do cristianismo de sua geração, estabelecendo um padrão de erudição para o século seguinte em seu trabalho. Ele via a pureza original do evangelho corrompida até mesmo nos períodos Neo-Testamentários e aumentando nos séculos seguintes (SAWYER, 2009).

Conclusão:
Basicamente a teologia liberal propõe uma conciliação entre a fé cristã e o racionalismo humanista, ou seja, a essência do liberalismo cristão é o desejo de contextualizar os fundamentos religiosos da tradição judaico-cristã, onde, devido às sucessivas mudanças culturais, a igreja tem procurado adaptar sua estrutura organizacional, rejeitando a autoridade religiosa, sendo assim, os liberais entendem que nenhuma questão teológica está fechada ou definida. Eles negam a inerrância e a inspiração da Bíblia. Apesar de abrirem aos homens a oportunidade de pensarem e usarem a razão para mitigar a grande exclusão social, principalmente após a Idade Média, esta forma de reinterpretar as Escrituras e suas doutrinas mais prejudicou e distanciou o homem de Deus do que trouxe benefícios. Destarte a grande quantidade de denominações que professam uma fé salvadora em Cristo Jesus e que possuem divergências amplas em seus sistemas teológicos.

Referências:
BROWN, Colin. Filosofia e Fé Cristã. Trad. Gordon Chown. São Paulo: Vida Nova, 2007.
COSTA, Hermisten Maia Pereira. Raízes da Teologia Contemporânea. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
CHAMPLIN, R. N. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. 3. São Paulo: Hagnos, 2013.
GRENZ, Stanley J.; OLSON, Roger E. A Teologia do Século 20: Deus e o mundo numa era de transição. Trad. Suzana Klassen. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.
JONES, Peter. A Ameaça Pagã: velhas heresias para uma nova era. Trad. Marcelo Tolentino. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.
KEELEY, Robin. Fundamentos da Teologia Cristã. Trad. Yolanda Krievin. São Paulo: Editora Vida, 2000.
MCDERMOTT, Gerald R. Grandes Teólogos: uma síntese do pensamento teológico em 21 séculos de igreja. São Paulo: Vida Nova, 2013.
SAWYER, M. James. Uma Introdução à Teologia: das questões preliminares, da vocação e do labor teológico. Trad. Estevan F. Kirschner. São Paulo: Editora Vida, 2009.

SCHAEFFER, Francis A. A Igreja no Século 21. Trad. Elizabeth Stowell Charles Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.